Direito de Família e Sucessões

Capitu, Bentinho e o Direito de Família

Capitu e Bentinho, junto com seu filho na capa de uma das edições de Dom Casmurro.

A clássica obra de Machado de Assis, Dom Casmurro, provoca até os dias atuais uma eterna discussão a respeito do relacionamento dos protagonistas da história. Afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho?

Na história, Bentinho é casado com Capitu e tem um amigo chamado Escobar. Bentinho começa a desconfiar que Capitu tem um caso com Escobar e que Ezequiel, nascido de Capitu, não é seu filho.

Até hoje não há uma resposta que convença a todos, mas a história pode servir para que algumas questões atuais do Direito de Família contemporâneo sejam explicadas porque o relacionamento entre Capitu e Bentinho serve a diversos exemplos.

 

Se Capitu tiver realmente traído, Bentinho poderia ser indenizado por danos morais?

Essa é a primeira questão que pode ser discutida a partir da trama. Se seguirmos as teorias que dizem que Capitu realmente traiu Bentinho, poderia ele ser indenizado?

A traição por si só não é um ato ilícito e não gera um dano moral presumido ao cônjuge que foi traído. Porém, quando a traição vai além e gera constrangimento pode, sim, ocorrer condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

Alguns exemplos podem nos ajudar a compreender situações em que a traição vai além: caso Capitu realmente soubesse que Bentinho não era o pai da criança e mesmo assim escondesse isso dele e o deixasse anos sem saber da verdade seria um típico exemplo.

Ainda podemos ir além e imaginar outra situação porque é muito comum, sobretudo em tempos de redes sociais: se Capitu contasse a todos a respeito da traição porque queria atingir Bentinho, também poderia ser condenada ao pagamento de indenização.

Há casos semelhantes julgados pela justiça brasileira, em um caso do Estado de Goiás o juiz ao analisar o pedido de divórcio, afirmou que “ainda que se considere que a traição não gere dano moral presumido“, admite-se, ao menos em tese “o dever de indenizar para casos em que as consequências de tal ato extrapolem a seara do descumprimento de deveres conjugais, para infligir no outro cônjuge, ou companheiro, situação excepcionalmente vexatória, verificado verdadeiro escárnio que advém da publicidade do ato e que altera substancialmente as condições de convívio do meio social“. Fonte: Migalhas.

 

E se Bentinho soubesse que Capitu traiu e mesmo assim a perdoasse, Ezequiel poderia se tornar filho socioafetivo?

Sim, poderia. Reconhecendo e incorporando ao ordenamento jurídico brasileiro o ditado: “pai é quem cria”, o Brasil permite a figura do filho socioafetivo. E o que é isso?

Basicamente quer dizer que existe a possibilidade do reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, quando o homem ou a mulher criam um vínculo de afeto, amor, carinho e cuidado por uma criança ou adolescente que não é seu filho biológico.

Portanto, se mesmo sabendo que não era seu filho, Bentinho criasse Ezequiel como se pai fosse seria reconhecido o vínculo entre eles em razão do afeto e teria todas as obrigações decorrentes do vínculo entre pai e filho.

Na realidade social brasileira, é muito comum a existência desse tipo de vínculo entre padrastos ou madrastas e enteados (as), porém, não se limita apenas a figura dessas pessoas porque o vínculo pode também pode ser um avô, avó, padrinho ou qualquer pessoa que faça o papel de pai ou mãe.

 

Em caso de dúvidas a respeito da paternidade, Bentinho ou Ezequiel teriam algo a fazer?

Sim, caso haja dúvidas razoáveis a respeito da paternidade existe a possibilidade de um processo judicial para reconhecimento de paternidade onde será realizada a produção de provas necessárias para determinar se há ou não vínculo biológico.

 

E se Bentinho fosse um louco ciumento, Capitu poderia se divorciar?

Sim, o matrimônio depende da vontade de ambos os cônjuges para começar e para se manter, mas depende apenas da vontade de um para que seja encerrado.

É comum no folclore jurídico brasileiro a ideia de que ainda é necessário o consentimento, daí a expressão “fulano não quer assinar o divórcio“, mas não é necessário. Se Capitu quisesse, poderia a qualquer momento se divorciar de Bentinho, tratando-se de um ato unilateral sem qualquer possibilidade de defesa ou necessidade de justificativa.

A única discussão que poderia ocorrer como consequência de um eventual divórcio seria a partilha de bens, a depender do regime do casamento de Capitu e Bentinho.

 

Em caso de divórcio, como ficaria a guarda de Ezequiel?

Um dos temas de grande preocupação do Direito de Família é a guarda dos filhos no momento do divórcio.

Deve-se sempre ser levado em consideração o melhor interesse da criança, isto é, aquilo que melhor permitir o seu desenvolvimento.

Não há uma fórmula pronta para determinar se a guarda seria de Bentinho ou Capitu, mas alguns parâmetros poderiam ser levados em consideração, como, por exemplo, a proximidade da residência com a escola, o ambiente, as condições econômicas e de infraestrutura, o resultado de estudos sociais e psicológicos.

Contudo, há uma grande tendência no Direito de Família de que a guarda seja, sempre que possível, compartilhada. Isso quer dizer que ambos, tanto Bentinho, quanto Capitu, deveriam cuidar de Ezequiel em todas as atividades de seu dia.

 

Quem ficasse com a guarda teria direito a pensão?

Sim, é de Capitu e Bentinho o dever de prestar alimentos ao filho Ezequiel para garantir todo o necessário ao seu desenvolvimento, como alimentação, educação, moradia, vestuário e demais despesas.

Assim, aquele que tem a guarda tem o direito de receber pensão para custear parte dessas despesas. Tanto o homem, quanto a mulher podem ser obrigados a pagar pensão.

 

E qual o valor que deve ser pago de pensão?

Não existe um valor determinado para ser pago, existe no folclore jurídico brasileiro a ideia de que deverá ser 30% do salário, mas é um mito, apesar de ser um parâmetro muito utilizado.

O valor da pensão sempre será determinado levando em consideração o binômio necessidade-possibilidade.

A necessidade teria relação direta com os custos de Ezequiel, ou seja, o quanto é necessário para custear a escola, plano de saúde, alimentação e assim por diante.

Por outro lado, a possibilidade está relacionada a capacidade de quem pagará a pensão. Se fosse Capitu, por exemplo, responsável pelo pagamento da pensão e tivesse uma renda de R$30.000,00, poderia perfeitamente ser exigido dela o valor de R$5.000,00. Por outro lado, se tivesse uma renda mensal de R$2.500,00, não seria possível exigir o mesmo valor.

 

Obs: os temas aqui tratados são debatidos com muito mais profundidade pelos livros e decisões judiciais, a finalidade do post é meramente informativa e a utilização da literatura serve apenas para melhor exemplificar.

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